Uma história com meio século
O Vodafone Rally de Portugal, hoje o maior evento de desporto automóvel realizado em Portugal, deu os seus primeiros passos como uma prova fechada e direcionada apenas para os funcionários da Transportadora Aérea Portugal (TAP). Após seis edições recheadas de sucesso, o Engenheiro Vaz Guedes, presidente da TAP na altura, decidiu que em 1967 se iria disputar a primeira edição internacional da prova que o Grupo Cultural e Desportivo da TAP organizara desde 1963.
Nasceu assim o I Rali Internacional TAP, organizado pelo Grupo Cultural e Desportivo da TAP. Atraídos pela dureza e competitividade logo na sua terceira edição, a prova registou um recorde de inscritos: 190 inscritos. Em 1970, o Rali Internacional TAP integrou o primeiro campeonato internacional, o Campeonato da Europa de Ralis, para 3 anos depois subir ao escalão principal dos ralis mundiais.
Após as duas primeiras edições mundiais da prova, surgiu a mudança de organizador e de patrocinador principal. O Automóvel Club de Portugal passa a ser o organizador e o Instituto do Vinho do Porto, o principal patrocinador da prova, passando a designação a ser Rally de Portugal Vinho do Porto – esta foi até hoje a mais longa associação de um patrocinador principal à prova, cuja duração foi de 19 anos.
Mas falando de competição, a década de 70 foi marcada pela preeminência de uma só figura: Markku Alén. O piloto finlandês era uma verdadeira antítese, pois balançava a jovem idade com a sabedoria e a táticas de um veterano. Teve no ano de 1975 a sua primeira vitória no Campeonato do Mundo de Ralis e no Rally de Portugal – voltando a repetir o feito em 1977, 1978 e depois em 1981 e 1987.

O sucesso da prova era evidente. No final da década de 70, e início da de 80, o Rali recebeu por cinco edições consecutivas – de 1976 a 1980, e depois em 1982 – o título de melhor Rali do Mundo. Estes foram sem dúvida tempos de ouro para a competição internacional, com vários momentos que marcaram para sempre o Rally: a última noite do Grande Prémio de Sintra em 1978, que consagrou Alén como o grande vencedor; a mítica passagem de Walter Röhrl em Arganil, numa depauperante batalha contra o nevoeiro; a impressionante vitória de Alén após arrancar uma roda no troço da Peninha; e a icónica vitória de Michèle Mouton – a única mulher a vencer o Rally de Portugal. Por esta altura, a emoção em torno das provas estava ao rubro, a paixão incandescente, e a vontade por mais incomensurável.
1984 foi também um ano exemplar, onde as atenções circundavam dois pilotos em particular: Hannu Mikkola e (novamente) Alén. Com apenas 27 escassos segundos de diferença entre os dois homens, só se conheceu o vencedor na última especial, ao contrário do que tinha acontecido em edições anteriores. A rivalidade era quase palpável, mas foi Mikkola quem conquistou o primeiro lugar, ao volante do seu Audi Quattro A2. O tempo começou a desempenhar um papel crucial no que diz respeito à escolha do vencedor. Condições climatéricas adversas e, acima de tudo imprevisíveis, aumentaram o nível de dificuldade do rally; 1985 foi um perfeito exemplo: a chuva e o vento destruíram grande parte dos pisos de terra, ao ponto de o navegador Seppo Harjanne ter afirmado que os caminhos eram tão duros como os do Safari ou da Costa do Marfim.
Já em 1986, durante a época áurea dos Grupo B, a prova tinha uma lista de inscritos de luxo, aumentando cada vez mais o interesse por parte do público. Infelizmente, tal interesse levou a que o número de espetadores se tornasse incontável. Tal sucesso levou milhares de pessoas à Serra de Sintra, numa manhã de março desse ano. Tal infortúnio tanta vez evitado acabou por acontecer na Lagoa Azul, o que amputou a prova de grande parte do seu interesse dado o abandono das principais equipas e protagonistas e marcou de forma decisiva o futuro do Campeonato do Mundo de Ralis.
O Rally, com o passar do tempo, tornou-se num feudo para a Lancia, com diversas vitórias entre 1987 e 1992. Em 1994, a TAP, que fora substituída pelo Vinho do Porto como principal patrocinador da prova, voltou a dar nome à competição que, pela última vez, teve como porto de partida e de chegada o Estoril. No ano seguinte, devido essencialmente a novos regulamentos internacionais, o rally passou por uma mudança estrutural: pela primeira vez ao fim de quase três décadas, a prova mudou-se para a Figueira da Foz, cidade que ficava mais perto das míticas especiais de Arganil, Fafe e Ponte de Lima. O peso da novidade contrapôs-se à habitual competitividade, desta vez disputada entre Carlos Sainz e Juha Kankkunen. Com apenas 12 segundos de diferença, uma das menores da história até então, o espanhol termina vitorioso, dando a primeira vitória à marca Subaru na prova portuguesa.
Quer seja por coincidência, ou devido a um qualquer feito metafísico, a verdade é que durante seis anos, a classificação foi quase sempre decidida até à última classificativa. Em 1996, o português Rui Madeira contabilizou a primeira vitória nacional em dez anos. O piloto de Almada entrou num verdadeiro duelo luso-belga, com alternâncias no comando, até que Freddy Loix furou na parte inicial da prova. A partir daquele momento, foi apenas uma questão de gestão da prova até Madeira garantir a vitória.
Depois três anos da Figueira da Foz, em 1998, o quartel-general da prova mudou-se para a Exponor, em Matosinhos, e decorreu, pela primeira vez, sem o seu mentor, Alfredo César Torres – que havia falecido em Londres meses antes. Apesar da sua ausência, a qualidade do Rali manteve-se intacta e registou uma das batalhas mais memoráveis de história da prova: Colin McRae vs Carlos Sainz. Depois do domínio inicial do piloto escocês, o Subaru Impreza WRC começou a acusar problemas de motor, fazendo com que o piloto espanhol se aproximasse da liderança, que, no final, ficou contabilizada em 2,1 segundos – a mais curta diferença de sempre até à altura entre o vencedor e o segundo classificado. A edição de 2001 da prova portuguesa foi agridoce. Se por um lado o Rally foi premiado com o prémio “Rali com Melhor Evolução do Ano” atribuído à edição de 2000, por outro as condições climatéricas incrivelmente adversas tornaram a edição do ano seguinte mais dura, senão mesmo a mais dura, da história da prova. Ao somar a vontade de levar o Campeonato do Mundo de Rallys a outras paragens contribuiu para que a prova portuguesa fosse excluída pela Federação Internacional do Automóvel do campeonato de 2002.
De vicissitude em vicissitude, com sucessivas mudanças de palcos e de datas, o TMN Rally de Portugal, consumada a despromoção do Campeonato do Mundo de Rallys, teve em Trás-os-Montes o acolhimento desejado. Durante os cinco anos seguintes, o rally esteve fora das provas do WRC e foi precisamente por esta altura que Armindo Araújo se destacou: com atuações reveladoras de eficácia e consistência, conquistou três vitórias – em 2003, 2004 e 2006 –, provando ser uma nova força no campeonato português.

Araújo no Vodafone Rally de Portugal 2019

Araújo (no topo) com Hugo e Bruno Magalhães e Luís Ramalho
Após 3 anos em Trás-os-Montes, com a eleição de novos corpos sociais no ACP, e cumprindo uma das promessas leitorais do novo presidente do clube, Carlos Barbosa, e da sua equipa, foi montada uma provada candidata em 2005 e 2006. Com o reconhecimento do excelente trabalho desenvolvido, seis anos depois, a prova voltou ao principal campeonato de rallys do mundo. E desde então que o Rally de Portugal tem um lugar fixo no calendário do WRC.
De 2007 a 2014, a prova foi recebida no Algarve, com algumas passagens pelo Baixo Alentejo. Estes foram anos de várias relevações para o WRC: momentos estes que marcaram para sempre o Rally e sobre os quais ainda são falados entre os fãs: foi por esta altura que o francês Sébastien Ogier começou a dar os primeiros passos no Campeonato do Mundo, mostrando-se como uma figura inesquecível da competição ao conquistar a primeira de muitas vitórias em 2010 – repetindo o feito depois em 2011, 2013 e 2014.
Inesquecível foi também o grave acidente de Jari-Matti Latvala, que, em 2009, “mergulhou” num abismo de 150 metros tendo saído ileso do acidente graças às atuais condições de segurança dos carros. Em 2012, viu-se o regresso dos troços à noite na primeira etapa e o grande dilúvio que prejudicou as condições do piso no segundo dia, o que tornou a vida dos pilotos uma autêntica lotaria.
Depois de várias edições de sucesso no sul do país, o Vodafone Rally de Portugal seguiu novamente caminho para o norte, em 2015, oferecendo às atuais estrelas do WRC a oportunidade de sentirem na primeira pessoa todas as emoções e exigências que tornaram mítica a prova do ACP.
Desde então impera sempre a mesma premissa: desde 2015 que todos os vencedores têm sido diferentes – muitos deles vencedores pela primeira vez. Ogier igualou o número de vitória de Alén, quando em 2017 conquistou a quinta vitória da carreira em terras nacionais. Foi nesse mesmo ano que o Rally assinalou o 50º aniversário, naquela que acabou por ser uma edição memorável da prova.
Em 2020, pela primeira vez desde a sua primeira edição em 1967, o Vodafone Rally de Portugal não se realizou. O cancelamento adveio da pandemia provocada pela COVID-19. A edição, que decorreria de 21 a 24 de maio, foi adiada para o ano seguinte a fim de que estivessem agrupadas as medidas de prevenção adequadas para este tipo de evento. Só em 2021, ainda dentro do contexto de pandemia, que o público foi autorizado a assistir ao Campeonato do Mundo de Ralis, cumprindo o rigoroso plano de contigência imposto pelas autoridades de saúde.
Breve resumo da edição de 2023
A adesão massiva do público foi, mais uma vez, a imagem de marca da 56.ª edição do Vodafone Rally de Portugal: a emoção sentiu-se de diferentes maneiras, por diferentes pessoas e nos mais diferentes sítios. Com encontro marcado entre os dias 11 e 14 de maio, a quinta prova do campeonato do WRC destacou-se por ser a primeira na Europa em pisos de terra.
Portugal deu as boas-vindas aos pilotos com uma apresentação de corpo e forma em Coimbra, que contou com um espetáculo impressionante de cor, música e uma enchente de pessoas. A cerimónia de partida, junto à Praça da Porta Férrea, recebeu as 83 equipas que se prepararam para disputar, nos dias seguintes, as 19 classificativas nas regiões do Centro e Note do país — num percurso total de 325,35 quilómetros cronometrados.
Este ano, Figueira da Foz foi a grande novidade, tendo regressado aos percurso do Rally pela primeira vez desde 1997 — mas agora com direito a uma Super Especial que contou com a foz do Mondego e o Oceano Atlântico como pano de fundo. A classificativa em Paredes, no decisivo dia 14, apresentou-se também como um ponto de interesse para os espectadores, que regressaram ao lugar tradicional do Shakedown para assistir a uma passagem matinal e inesquecível dos carros em prova.
Mas falando de competição, Kalle Rovanperä foi a figura de ouro deste ano. Depois de se ter tornado o mais jovem vencedor de sempre em 2022, conquistou novamente o topo do pódio e juntou-se a Kankkunen, Sainz, McRae, Mäkinen e Loeb no lote de pilotos com dois triunfos no Rally de Portugal. O finlandês, ao volante da Toyota, deixou Dani Sordo e Esapekka Lapi em segundo e terceiro lugar respetivamente, assinalando, no entanto, uma grande margem para a Hyundai nos principais lugares da classificação.
Sordo acumulou o sétimo pódio em Portugal — e o terceiro consecutivo —, ao andarilhar por percursos já bastante familiares para o piloto espanhol. Thierry Neuville terminou em quinto, após ter registado problemas de turbo no carro. Já Elfyn Evans, o vencedor que antecede Rovanperä, abandonou a competição na sexta-feira devido a uma aparatosa saída de estrada que destruiu o seu Toyota. Felizmente, o galês não sofreu quaisuqer danos e saiu ileso do acidente. Ott Tanäk, o quarto classificado e representado pela primeira vez em Portugal pela nome da M-Sport Ford, ganhou uma classificativa no dia 12, mas registou alguns problemas com o sistema híbrido do seu Puma Rally1.
O melhor concorrente do WRC2 terminou em sexto lugar: Gus Greensmith (Skoda) bateu Oliver Solberg (Skoda) por escassos 1,2 segundos. O jovem sueco foi penalizado em 1 minuto, por ter realizado piões no final da Super Especial de Lousada. O regresso de Andreas Mikkelsen (Skoda) completou o pódio numa das melhores listas de inscritos de que há memória do WRC2, com 43 equipas no total. O duelo de finlandeses do WRC3 viu Roope Korhonen ficar na frente de Toni Herranen, ambos em Ford.
Em bom português, Armindo Araújo foi pela 12.ª vez o melhor piloto nacional, alcançando o top 20 e vencendo novamente o CPR. Miguel Correia apresentou algumas dificuldades na condução, devido a questões mecânicas no seu Skoda, e, mesmo tendo dominado o campeonato, acabou a secundar Araújo no Campeonato de Portugal de Ralis. O pódio da prova, no que diz respeito a pilotos portugueses, ficou completo com Nuno Pinto e Francisco Teixeira.
A Estatística do Rally