A Pirelli é o fabricante oficial de pneus do WRC e Terenzio Testoni contou-nos os segredos dos únicos elementos que ligam diretamente um carro de rali ao piso. Acredite que há muito para descobrir, para além de serem pretos e redondos... Embarque numa viagem de descoberta ao lado do responsável máximo da marca italiana no WRC.
Terenzio Testoni trabalha na Pirelli desde 1996 e ocupa o cargo de responsável da marca no WRC. Para este veterano da competição automóvel, a evolução dos pneus nas últimas décadas tem sido verdadeiramente assombrosa. “Sou responsável por todas as ações da Pirelli nas competições fora de estrada. Obviamente que o WRC é uma das categorias mais importantes para a Pirelli e já trabalhámos em exclusivo com o Campeonato do Mundo de Ralis desde 2018, mas eu ainda assisti aos últimos Grupo A, nomeadamente aos Subaru Impreza, pois comecei a trabalhar com os WRC em 1997, quando estes surgiram. Nos últimos 25 anos a evolução tem sido enorme, não só nos compostos e na estrutura dos pneus, mas também nos regulamentos. Lembro-me bem que íamos para o Rali de Monte-Carlo dar assistência a três carros e levávamos 1500 pneus. Tínhamos dois tipos de pneus de asfalto seco, mais dois intermédios para chuva e mais três tipos para neve (largos, médios e estreitos). Imagine o que é ter sete tipos diferentes de pneus apenas para uma prova. E não havia limites, nem no tipo, nem no número de pneus. Para cada tipo de condição atmosférica ou de piso, tínhamos inúmeras soluções de pneus (compostos e pisos)”.
Hoje o cenário é muito diferente. “Para uma prova como o Vodafone Rally de Portugal trazemos cerca de 40 pneus para cada carro. Ou seja, para os WRC1 trazemos, aproximadamente, 400 pneus. Se juntarmos os cerca de 40 carros inscritos em WRC2, são mais 1000 pneus. Os WRC1 só podem utilizar 28 pneus numa prova como este Rally de Portugal, já incluindo o shakedown, enquanto os WRC2 utilizam 26 (duros ou moles)”.
As opções da Pirelli para o Vodafone Rally de Portugal são o Scorpion KX WRC - pneu de terra que está disponível para os carros de Rally1 em dois compostos, ambos na versão evolution 2022. A versão SA de composto macio e a HA de composto duro, que oferece uma maior durabilidade e resistência a superfícies mais abrasivas. Já o Scorpion K, o pneu de terra para os WRC2 e WRC3, também está disponível em compostos duros e macios. Em Portugal, os carros de Rally2 têm pneus K4B (duros) e K6B (macios), enquanto os carros de Rally3 têm K4A (duros) e K6A (macios).
E há diferenças entre os pneus utilizados nos WRC1 e WRC2? “Sim, há muitas diferenças. Os carros de R1 são muito mais pesados e potentes e os pilotos acabam por também ser muito mais exigentes, até porque conduzem sempre a 110% das suas capacidades e das da máquina. Por isso os pneus também são mais pesados, há uma diferença de quase 4kg. Isto também resulta do facto de os “ombros” dos pneus serem mais reforçados e de o piso ser muito mais resistente. O próprio piso é mais espesso nos WRC1, 16 mm contra os 12 mm dos WRC2. As misturas também são muito diferentes entre as duas categorias de topo. Os componentes base são quase os mesmos, mas a mistura e a percentagem de cada um deles varia muito”.
O que tem qualquer alteração são os pneus fornecidos a cada uma das equipas do WRC1. “Os pneus são rigorosamente iguais para todas as três equipas que competem na categoria rainha e mantêm-se inalterados (em termos de compostos) ao longo de toda a temporada. Temos trabalhado com os construtores no sentido de reforçar os pneus, de os tornar um pouco mais resistentes, mas o composto é o mesmo. O preço é definido pela FIA e é o mesmo para os WRC1 e WRC2. Nós não estabelecemos um preço, estes são pré-definidos pela FIA...”.
E o que fazem aos pneus depois de utilizados? Para Testoni e a Pirelli, a sustentabilidade é uma questão da maior importância, “todos os pneus dos WRC1 são recolhidos por nós e reciclados. Os dos WRC2 e WRC3 não porque a maioria das equipas mantém os pneus para serem utilizados mais tarde, em testes e ações internas. Esta também acaba por ser uma forma de “reciclagem” já que estes pneus de prova acabam por ter uma segunda vida após os ralis em que correram”.
Outro dado destacado por Terenzio Testoni é a transferência de tecnologia entre os pneus de competição e os pneus de estrada ditos normais. “A competição é uma espécie de laboratório sobre rodas para tecnologias e compostos que podemos utilizar em estrada. Um bom exemplo é o nosso sistema Run-Flat que evoluiu da competição - foi estreado no Rali Safari em 1999 - até chegar aos automóveis civis. Os ralis, em particular, são extremamente úteis neste contexto já que nos permitem testar em tempo recorde, num tipo de utilização extrema e em diferentes tipos de piso, soluções que, um dia, chegarão aos nossos automóveis de uso quotidiano”.